“...não sei, só sei que foi assim.”
Era assim que Chicó, personagem de “O Auto da Compadecida”, fechava as histórias que contava ter vivenciado e não saberia explicar os absurdos que dizia. Em uma dessas histórias Chicó conta que viu um monte de pacas atravessando o rio, tantas, mas tantas que chegava a inclinar a água. Morto de fome, ele resolve matar pelo menos uma para comer. Assim que dispara a arma, percebe que todas elas são do Major Antônio Moraes. Para remediar o tiro, coloca a mão na frente da arma e impede a saída da bala. Como? “Não sei, só sei que foi assim.”
Definitivamente, nosso povo gosta de histórias, a parte estranha disso tudo é admitir que a gente gosta de ser enganado. Somos fãs dos “Chicós” que nos rodeiam, e eles estão em todos os lugares, muitos deles nem são tão bons de contar histórias, mas a criatividade nos encanta de tal modo que mal conseguimos avaliar se o que nos contam faz algum sentido.
A verdade é que estatísticas e racionalidades atraem poucas pessoas, gostamos mesmo é da emoção, do drama, do ódio, do romance, do brilho nos olhos, do sofrimento, de tocar o coração, e quando isso acontece pouco importa se é verdade ou não, vivenciamos e pronto, podendo até comprometer nossas convicções, mesmo que temporariamente, no auge de nosso devaneio emocional, admitindo coisas que racionalmente jamais consideraríamos.
É nesse ponto que mora o perigo, porque existem pessoas profissionais em nos submeter a contextos de decisão com base nessas sensações, mas não cabe a mim o desenvolvimento desse julgamento, cada um acredita no que quiser, até mesmo mudança de opinião, mas vale o alerta, quando decidimos com base nas emoções e não temos uma linha lógica racional de apoio para a decisão, o perigo é iminente. E quando tivermos de contar as nossas próprias histórias, poderemos incorrer no risco de nos perguntarem: “Como?” - e para escondermos nossas irracionalidades, dizermos: “... não sei, só sei que foi assim”.
por Leonardo Moreira
por Leonardo Moreira